Texto escrito pela minha amiga e psicologa Karim... Obrigado Doutora.
Como pessoa, sempre gostei de gente e sempre admirei a capacidade que o ser humano tem de levantar depois de uma queda, sacudir a poeira e dar a volta por cima.
Como psicoterapeuta, aprendi a buscar junto com meus pacientes esta possibilidade em todas as situações de vida e sempre me surpreendo. É absolutamente emocionante ver alguém de fato levantar e seguir...
Algumas historias são mais marcantes que outras e quando me coloco no lugar de um paciente, me pergunto: como eu lidaria com isso??
Vou contar pra vocês uma destas histórias marcantes, sobre alguém que sabe que é dele que falo e que me autoriza a assim fazê-lo.
Me lembro que ele se denominava “paciente 38545” . Era um homem que fora muito bem sucedido profissionalmente, cercado de amigos que gostavam de iates, pescarias e churrascos em auto mar; casado há 20 anos , família estável, casa própria, estabilidade... tudo o que se pode desejar numa metade de vida.
Do dia para a noite, perdeu tudo: posses, casamento, amigos e os filhos se distanciaram.: João sem chão: da riqueza à miséria, da casa confortável a um quarto emprestado, da vida repleta de amigos à solidão... sim, João sem chão.
Num dia desses que ate o sol parece cinza, recebeu uma ligação do filho convidando-o para uma atividade na qual gostaria de ver seu pai. João alegria: poderia retomar seu papel de pai.Uma luz no fim do túnel.
O que não esperava era “o outro” em seu lugar. De novo João sem chão, sentindo-se retaliado, preterido, abandonado...
João sem intenção mas de forte decisão toma seus remédios para apagar, não para morrer. Mas é mal interpretado por sua voz pastosa ao telefone dizendo: não vou...pois hoje prefiro morrer.
O que aconteceu então parece cena de filme de ação: Acordado de seu torpor vê luzes, sirenes , policias e olhos, muitos olhos: filhos, vizinhos, sobrinhos, curiosos, transeuntes. Levado ao hospital de camburão por tentativa de suicídio com 3 comprimidos.: João aviltado, envergonhado,, João sem ação...
No hospital, o obvio: não havia nada errado. Avaliado, liberado, orientado para “não chamar atenção desta forma”... mandado embora.
De pijama e pé no chão, vagando pelas ruas num dia chuvoso e cinza: João desonrado.... Tomado de dor, vai atrás daquela que considera a causadora desta história de terror e encontra de novo viaturas de polícia à sua espera, giroflex, sirenes e uma cena digna de cinema/ação. Mas aparece então, de dentro dele, um João ação, movido pela dor que o engole e o cega. Quebra a porta de vidro pra se fazer ouvir e querer compreender desesperadamente o que esta acontecendo, pois tudo é surreal.
Sem resposta, algemado, agredido, ferido por dentro e por fora: João pura dor...levado à força a um lugar, amanssado por um sossega leão qualquer.: João sem vida, sem honra...
Uma vez mais a dor o engole e ele então, esmurra aquela a quem ele atribui tanta injustiça e tamanha dor. Ah... Até hoje João sem honra, cansado me diz que esta atitude e só esta ele queria apagar. Não queria ter feito e Eu acredito... João arrependido e cheio de pesar.
Desespero, desonra, vazio... foi levado ao hospício, pois não há outro nome que descreva aquele lugar de manutenção da loucura...João Louco: A sensatez dentro da insensatez enlouquece, entristece, amortece... João sem esperança...
João derrotado é convidado a pintar e faz então, uma linda borboleta. Ainda hoje não sabe o resultado daquelas análises psicológicas todas, mas eu gostaria de contar a ele (pois não sei se um dia eu contei) que a borboleta é o símbolo da transformação, da morte de algo que pode se transformar em outra coisa...
Seu filho, anjo da guarda sem asas, resgatou João tristeza deste lugar.
Ele levou em sua bagagem vergonha, desonra, incompreensão, mágoa e dor, Vergonha... muita vergonha.
Me disse um dia que queria morrer e eu nunca acreditei. Mas sempre acreditei que ele gostaria de se ver naquela borboleta colorida. E eu o conheci lagarta. Então, algo precisava morrer para renascer. Percorremos um caminho , longo, as vezes escuro, outras repleto de possibilidades.
Hoje, João feliz: Vida simples, interiorana, recasado com alguém que cuida e sabe cuidar, que ama e que se deixa amar. Reencontrou seus filhos, daquele jeito que é possível encontrar... Participou da formatura, do casamento e até dividiu o espaço com “o outro”. E pasmem... sorriu e conversou com a ex...
João ainda com medo, se questiona sobre sua vida. Ainda tem magoas, ainda tem temores... Assim como todos nós....
Era 38545
É João...
E eu, se voce me perguntasse como eu o definiria, eu diria:
Ele é esta musica:
Chorei
Não procurei esconder
Todos viram, fingiram
Pena de mim não precisava
Ali onde eu chorei
Qualquer um chorava
Dar a volta por cima que eu dei
Quero ver quem dava
Um homem de moral
Não fica no chão
Nem quer que mulher
Lhe venha dar a mão
Reconhece a queda
E não desanima
Levanta, sacode a poeira
E dá a volta por cima
Não procurei esconder
Todos viram, fingiram
Pena de mim não precisava
Ali onde eu chorei
Qualquer um chorava
Dar a volta por cima que eu dei
Quero ver quem dava
Um homem de moral
Não fica no chão
Nem quer que mulher
Lhe venha dar a mão
Reconhece a queda
E não desanima
Levanta, sacode a poeira
E dá a volta por cima
João coração, nesta estrada quem tem que te agradecer sou eu....
Abração..
Karim Xavier... twitter @karim_xavier mail karim.xavier2@gmail.com