quinta-feira, 18 de novembro de 2010

PACIENTE 38545


Texto escrito pela minha amiga e psicologa Karim...  Obrigado Doutora.

Como pessoa, sempre gostei de gente e sempre admirei a capacidade que o ser humano tem de levantar depois de uma queda, sacudir a poeira e dar a volta por cima.
Como psicoterapeuta, aprendi a buscar junto com meus pacientes esta possibilidade em todas as situações de vida e sempre me surpreendo. É absolutamente emocionante ver alguém de fato levantar e seguir...
Algumas historias são mais marcantes que outras e quando me coloco no lugar de um paciente, me pergunto: como eu lidaria com isso??
Vou contar pra vocês uma destas histórias marcantes, sobre alguém que sabe que é dele que falo e que me autoriza a assim fazê-lo.
 Me lembro que ele se denominava “paciente 38545”. Era um homem que fora muito bem sucedido profissionalmente, cercado de amigos que gostavam de iates, pescarias e churrascos em auto mar; casado há 20 anos , família estável, casa própria, estabilidade... tudo o que se pode desejar numa metade de vida.
Do dia para a noite, perdeu tudo: posses, casamento, amigos e os filhos se distanciaram.: João sem chão: da riqueza à miséria, da casa confortável a um quarto emprestado, da vida repleta de amigos à solidão... sim, João sem chão.
Num dia desses que ate o sol parece cinza, recebeu uma ligação do filho convidando-o para uma atividade na qual gostaria de ver seu pai.  João alegria: poderia retomar seu papel de pai.Uma luz no fim do túnel.
O que não esperava era “o outro” em seu lugar. De novo João sem chão, sentindo-se retaliado, preterido, abandonado...
João sem intenção mas de forte decisão toma seus remédios para apagar, não para morrer. Mas é mal interpretado por sua voz pastosa ao telefone dizendo: não vou...pois hoje prefiro morrer.
O que aconteceu então parece cena de filme de ação: Acordado de seu torpor vê luzes, sirenes , policias e olhos, muitos olhos: filhos, vizinhos, sobrinhos, curiosos, transeuntes. Levado ao hospital  de camburão por tentativa de suicídio com 3 comprimidos.: João aviltado, envergonhado,, João sem ação...
No hospital, o obvio: não havia nada errado. Avaliado, liberado, orientado para “não chamar atenção desta forma”... mandado embora.
De pijama e pé no chão, vagando pelas ruas num dia chuvoso e cinza: João desonrado.... Tomado de dor, vai atrás daquela que considera a causadora desta história de terror e encontra de novo viaturas de polícia à sua espera, giroflex, sirenes e uma cena digna de cinema/ação. Mas aparece então, de dentro dele, um João ação, movido pela dor que o engole e o cega. Quebra  a porta de vidro pra se fazer ouvir e querer compreender desesperadamente o que esta acontecendo, pois tudo é surreal.
Sem resposta, algemado, agredido, ferido por dentro e por fora: João pura dor...levado à força a um lugar, amanssado por um sossega leão qualquer.: João sem vida, sem honra...
Uma vez mais a dor o engole e ele então, esmurra aquela a quem ele atribui tanta injustiça e tamanha dor. Ah... Até hoje João sem honra, cansado me diz que esta atitude e só esta ele queria apagar. Não queria ter feito e Eu acredito... João arrependido e cheio de pesar.
Desespero, desonra, vazio... foi levado ao hospício, pois não há outro nome que descreva aquele lugar de manutenção da loucura...João Louco: A sensatez dentro da insensatez enlouquece, entristece, amortece...  João sem esperança...
João derrotado é convidado a pintar e faz então, uma linda borboleta. Ainda hoje não sabe o resultado daquelas análises psicológicas todas, mas eu gostaria de contar a ele (pois não sei se um dia eu contei) que a borboleta é o símbolo da transformação, da morte de algo que pode se transformar em outra coisa...
Seu filho, anjo da guarda sem asas, resgatou João tristeza deste lugar.
Ele levou em sua bagagem vergonha, desonra, incompreensão, mágoa e dor, Vergonha... muita vergonha.
        Me disse um dia que queria morrer e eu nunca acreditei. Mas sempre acreditei que ele gostaria de se ver naquela borboleta colorida. E eu o conheci lagarta. Então, algo precisava morrer para renascer. Percorremos um caminho , longo, as vezes escuro, outras repleto de possibilidades.
    Hoje, João feliz: Vida simples, interiorana, recasado com alguém que cuida e sabe cuidar, que ama e que se deixa amar. Reencontrou seus filhos, daquele jeito que é possível encontrar... Participou da formatura, do casamento e até dividiu o espaço com “o outro”. E pasmem... sorriu e conversou com a ex...
    João ainda com medo, se questiona sobre sua vida. Ainda tem magoas, ainda tem temores... Assim como todos nós....
       Era 38545
                    É João...

E eu, se voce me perguntasse como eu o definiria, eu diria:
Ele é esta musica:
Chorei
Não procurei esconder
Todos viram, fingiram
Pena de mim não precisava
Ali onde eu chorei
Qualquer um chorava
Dar a volta por cima que eu dei
Quero ver quem dava
Um homem de moral
Não fica no chão
Nem quer que mulher
Lhe venha dar a mão
Reconhece a queda
E não desanima
Levanta, sacode a poeira
E dá a volta por cima



João coração, nesta estrada quem tem que te agradecer sou eu....
Abração..
Karim Xavier... twitter @karim_xavier mail    karim.xavier2@gmail.com 

domingo, 14 de novembro de 2010

O Tempo


A meu pedido a minha nova amiga JUSCÉLIA SOUSA amiga  que  encontrei la no twitter como  @jusceliasousa e  dona do lindo  blog  PEDACINHOS...
http://jusasousa.blogspot.com/ Blog que eu recomendo a todos, escreveu gentilmente esse texto para o Cotidiano... Obrigado!! 



Ah, o tempo. Tempo de pessoas tão longe com vontade de estar perto.
Tempo de gente que ama as máquinas por medo de amar gente.
Gente que quer carinho mais esconde o afeto.
Por que medo?
Gente que quer sentir e não permite.
Sem tempo, sem tempo, sem tempo...
O que foi feito do tempo  da prosa, do café fresquinho?
Tempo do banho no rio e da cozinhadinha.
Tempo de criança e de esperança.
Tempo que não se perde no tempo.
Hoje temos sorrisos, abraços e gestos virtuais, quanta imaginação, só imaginação. Onde andas, sensações?
Não mais abraços,
Não mais o cheiro da voz de perto.
Não mais o rio, só esperança.
Por quê?
Falta tempo. Precisamos trabalhar, buscar, interagir, conhecer, superar... possuir.
Por quê?
Para alimentar a distância dos toques, das falas de final de semana, das prosas na padaria, do boa tarde e do bom dia.
Nesta evolução da nostalgia, a amizade ficando vazia, quero gente que goste de gente para sentir e cuidar...
Porque sou assim.
Sou gente que ama e quero estar perto.
Não tenho medo de gente.
Não escondo afeto.
Deixo sentir...
Gosto de café com prosa.
Banho de rio. Cozinhar sendo criança, tenho esperança.
Gosto de perder tempo sendo apenas “eu”.
Gosto de sorriso estampados, abraço apertado, voz no ouvido, sentir arrepio.
Gosto de amizades longas, pegar na mão, olhar nos olhos.
Caminhar lado a lado, largado ou abraçado.
Estando aqui escrevendo sobre o tempo em momento  virtual 
descobri a falta que tudo isso me faz...

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Senhor Dito Paulista!!

Bem, hoje é Domingo e estou aqui pensando em um novo texto para o meu blog... tenho conciencia que não sou muito bom nessa coisa de escrever, e ainda mais que num momento de transbordamento de emoções por ocasião do casamento do meu filho, eu consegui passar para o papel, ou melhor para a tela? Há sei la!! Consegui escrever e expressar  o que estava sentindo com clareza, entendi que a responsabilidade aumentou... afinal eu não posso ser um homem de um texto só né? E confesso também que os momentos vividos por ocasião do casamento foram tão marcantes que eu gostaria que se perpetuassem, e sei que no momento da nova postagem aquele acontecimento ficara em segundo plano, pelo menos no blog né, já que na minha mente permanece e a acho que ficara tudo muito vivo por muito tempo. Já pensaram que tem coisas que acontecem na vida da gente que não queremos de maneira alguma que fiquem pra traz? Mas a vida não para de nos trazer coisas novas e sempre nos chamando as falas e nos dando banho de realidade. Então pensei porque não escrever sobre o meu sogro que faleceu com 102 anos?...Alguém ai se habilita a viver tanto? Mas não falo em apenas se manter vivo esperando o tempo passar, e sim em viver de verdade, tendo uma infância legal, uma adolescência alegre, uma adultice digna de ser lembrada e servir como referencia para casais que já não ligam mais para os valores que foram tão importantes para ele. Diversas vezes testemunhei um extremo carinho dele para com a minha sogra, mesmo ele já com 100 anos, tentava cuidar da esposa, se ela adoecia ele ficava inquieto, ficava a olhando como que pensando em uma maneira de resolver o problema de saúde que na maioria das vezes nem era tão grave, mas o Sr Dito Paulista como era conhecido por aqui demonstrava claramente que se pudesse absorveria qualquer coisa ou qualquer dor para preservar a sua mulher... Também testemunhei vezes que silenciosamente correram lágrimas em seus olhos talvez motivadas pela conciencia de que a vida já estava lhe mostrando que a separação definitiva, pelo menos no plano terreno já estava próximo. Convivi estreitamente com ele em seus últimos dias e juro que me espantou o tanto que este homem se preocupava com a “amada” pois entre um delírio e outro quando em momentos de conciencia ele falava repetidas vezes: Por favor cuidem da Maria... Cuidem das coisas da Maria... E assim foi até o seu ultimo suspiro, me parecendo que ele já não se importava consigo e sim com quem ele iria deixar seguindo pela vida. Contei isso pra deixar claro que eu gostaria de ser como ele.  Viver com dignidade por 102 anos eu posso garantir que é pra pessoas especialíssimas.
Vá com Deus Sr Dito Paulista!! Nós ficaremos por aqui tentando imita-lo. 
1909 - 2010